domingo, 11 de maio de 2008

Mestres e discípulos


Logo na Introdução, George Steiner dá o mote a uma das questões centrais do livro deixando entender que a ignorância pode conduzir a juízos categóricos. Pelo contrário, a aprendizagem só gera incertezas: "Após meio século de actividade docente em numerosos países e sistemas de ensino superior, apercebi-me da minha crescente incerteza quanto à legitimidade e às verdades fundamentais desta «profissão»." (pág. 11).

E, no entanto, este é um verdadeiro tratado de erudição que percorre, ao longo de mais de dois milénios, as lições dos Mestres em disciplinas que vão da filosofia, à literatura e à música. Ainda assim, no final, consciente das suas limitações, Steiner reconhece que "«Cobrir» todo este campo seria uma ambição absurda. As línguas necessárias, o conhecimento etnográfico, antropológico, histórico e científico de que precisaríamos ultrapassam em muito qualquer testemunha individual." (pág. 123).

George Steiner coloca-se na esteira de Sócrates que defendia "uma vida interrogativa, logo justa" (pág. 33) e para quem o verdadeiro ensino se faz por meio do exemplo não chegando, porém, ao ponto do desdém pela academia manifestado por Goethe: "Aquele que sabe, faz. Aquele que não sabe, ensina." (pág. 63). Além do mais, o exemplo parece ser algo do passado: "A admiração, para evitar falar de reverência, passou de moda. Somos viciados na inveja, na difamação, no rebaixamento." (pág. 147).

Steiner lembra-nos ainda que só os génios nos obrigam ao regresso repetido aos seus textos. As estruturas abertas, "no sentido em que possibilitam uma multiplicidade inesgotável de interpretações, mantêm o espírito humano em desequilíbrio." (pág. 37). Assim, mais do que afiançar o sim ou o não, ensinar deve estimular os porquês, com todos os perigos inerentes a tal atitude: "O grande ensino é aquele que desperta dúvidas, que encoraja a dissidência, que prepara o aluno para a partida («Agora deixa-me», ordena Zaratustra). No final, um verdadeiro Mestre deve estar só." (pág. 88). E o discípulo autêntico acabará por rejeitar o Mestre (pág. 99).

Na interacção entre Mestre e discípulo, cada vez mais, é o discípulo quem faz o Mestre e não o contrário, até porque ninguém ensina quem não quer aprender. Só aprende quem quer e só ensina quem pode. Quem aprende ajuda, decisivamente, quem ensina. De resto, na língua francesa, ensinar e aprender são, desde o século XII, sinónimos. O verbo apprendre que já era aprender torna-se, também, ensinar: apprendre quelque chose, mas também apprendre à quelqu'un. Ensinar e aprender são as duas faces de uma mesma moeda que tem servido, século após século, para pagar o tributo aos Deuses da Criação.

No entanto, se ensinar pode ser gratificante, mais importante é aprender. Sem aprendizagem a humanidade já teria desaparecido há muito. Não querendo ser mais céptico do que se manifesta o próprio Steiner, no final do livro, não deixo de me interrogar se não haverá o risco de que as tecnologias nos induzam a ideia de que não é preciso aprender. Que todo o ensino está garantido e disponível e é um dado adquirido para sempre.

Colaboração de Vítor Soares

1 comentário:

Anabela disse...

Excelente recensão crítica que convida à leitura da obra!